segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Redações de nível excelente à luz dos critérios da Universidade Federal do Rio Grande do sul.

MARCHEZAN, M da S. Redações de nível excelente à luz dos critérios da Universidade Federal do Rio Grande do sul.. In: COPERSE. A Redação no Contexto do Vestibular 2006. Editora da UFRGS, Porto Alegre, 2006.



Mariléia da Silva Marchezan*

Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.
Caetano Veloso

RESUMO: Com o objetivo de auxiliar o processo de avaliação dos textos de vestibular, baseado nos critérios adotados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, o artigo propõe uma análise de redações de nível excelente, enfatizando o quanto é importante o candidato expressar – na redação de vestibular - sua opinião de forma qualificada. Nesse sentido, os textos deste artigo serão analisados sob os aspectos da avaliação da Modalidade Analítica do Manual do Avaliador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, bloco referente à Estrutura e Conteúdo.

PALAVRAS-CHAVE: nível excelente - avaliação – texto - critérios

INTRODUÇÃO

Partindo do princípio de que cada texto é único, embora a circunstância da escritura da redação de vestibular seja artificial, procuro – neste artigo – apresentar as qualidades dos textos selecionados, comentando-as, a fim de colaborar com aqueles que desejam aprimorar seus conhecimentos a respeito dos critérios de avaliação das redações de vestibular da UFRGS.

Sabe-se que a escritura de um texto dissertativo não é tarefa fácil para o vestibulando, pois exige envolvimento pessoal, revelação de características do sujeito, requer opinião articulada e crítica que atenda ao tema proposto pela universidade. Essa dificuldade, porém, não pode se transformar em medos: de não agradar ao avaliador, de fugir do convencional, de não saber nada sobre o assunto proposto etc.; ou em mitos, tais como: escrever é um dom de poucos, escrever não exige empenho, para escrever uma boa redação basta seguir as “dicas” do professor, a escrita nada tem a ver com práticas sociais etc.
(Marchezan, M. da S. In: A Redação no Contexto do Vestibular 2005, p.235)

A fim de facilitar o entendimento do leitor, explico que há uma planilha (cf.anexo 1) para a avaliação das redações, dividida em dois blocos: Estrutura e Conteúdo e Expressão. O primeiro bloco, que será analisado neste artigo, refere-se à Estrutura e Conteúdo, e nele há dez tópicos:

1º) caráter dissertativo,
2º) estrutura de parágrafos,

___________________
* Professora Avaliadora das Redações do Vestibular da UFRGS e professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul, Alegrete.

3º) organicidade,
4º) abordagem do tema,
5º) clareza do ponto de vista,
6º) consistência argumentativa,
7º) coesão textual,
8º) autonomia,
9º) criticidade,
10º) qualidade estilística.

O segundo bloco refere-se à Expressão e é dividido em cinco itens:

1º) convenções ortográficas,
2º) morfossintaxe,
3º) pontuação,
4º) sintaxe,
5º) semântica.

Para que o leitor compreenda melhor cada item analisado e comentado, transcrevo a seguir, parcialmente, a planilha de avaliação da UFRGS quanto à Modalidade Analítica, itens referentes à Estrutura e Conteúdo com suas dez divisões, comentando cada seção e ressaltando sempre o nível excelente. Esclareço que cada item é individualmente avaliado, em uma escala de zero (para nível não-satisfatório) a três (para nível excelente).

Caráter Dissertativo: o caráter dissertativo predomina no texto; percebe-se o movimento argumentativo com apresentação, desdobramento e desfecho do raciocínio. (Manual do Avaliador, 2006)

O texto de nível excelente é aquele cuja reflexão predomina, isto é, a argumentação deve ser a base do texto. E se houver trechos narrativos ou descritivos na redação, esses devem estar a serviço da justificativa da tese. Este é um item extremamente importante na planilha de Estrutura e Conteúdo, pois um texto com predomínio de outra tipologia textual que não seja a do caráter dissertativo ficará seriamente comprometido, podendo inclusive, receber nota zero.

Estrutura de Parágrafos: os parágrafos são semanticamente autônomos, bem divididos, tendo, em sua maioria, mais de uma frase cada .( Ibidem)

A redação de nível excelente apresenta parágrafos bem organizados e devidamente pontuados. Cada parágrafo deve apresentar começo, meio e conclusão de idéias, de forma seqüencial.

Organicidade: o texto transita articuladamente entre parte e todo, argumento e tese, simples e complexo, próximo e distante. .( Ibidem)

Este item verifica se a redação exibe lógica de pensamento, como causa e conseqüência, tese e argumento, levando o leitor a caminhos dos mais simples aos mais complexos a respeito do assunto tratado, facilitando o entendimento do que é tese e do é a sua comprovação.

Abordagem do Tema: o texto aborda o tema proposto, apresentando aspectos relevantes na ordem estrita da orientação dada, ou, ainda, em ordem pertinente. (Ibidem)

Este é um outro item muito importante da planilha de Estrutura e Conteúdo, pois verifica se a redação aborda o tema lançado na proposta do concurso vestibular. As redações de nível excelente são centradas no tema proposto, articulando-o de forma precisa e qualificada. Redações que não abordam o tema também podem receber nota zero.

Clareza do Ponto de Vista: o texto expressa claramente o ponto de vista do autor sobre o tema no início; ou o mesmo transparece e se mantém ao longo do texto. (Ibidem)

Neste tópico é observado se o candidato apresenta o seu posicionamento na abordagem do tema lançado. Isso não necessariamente no começo do texto, mas que se evidencie ao longo dele.

Consistência Argumentativa: a argumentação revela progressão semântica; é clara, coerente e consecutiva; os aspectos em que o conteúdo foi dividido estão concatenados. ( Ibidem)

Aqui a verificação dá-se no sentido de perceber se o autor movimenta dados e informações que alicercem seu ponto de vista, fazendo com que seu raciocínio progriga ao longo do texto.

Coesão Textual: o texto demonstra uso qualificado de nexos, de modalizadores, de correlação de tempos verbais, de referências anafóricas e de substituições lexicais. ( Ibidem)

Este item analisa a competência do candidato em usar de forma qualificada elementos que sirvam para relacionar idéias, unindo-as a fim de que a argumentação seja articulada.

Autonomia: o autor apresenta ponto de vista criativo e singular, evidenciando esforço pela autoria, com idéias incomuns e/ou incomumente relacionadas. (Ibidem)

Este item avalia a capacidade de o autor escrever um texto único, singular, criativo e original. E os professores avaliadores de redação da UFRGS apreciam cada texto levando em conta a faixa etária dos candidatos, isto é, a de aluno egresso de ensino médio, respeitando suas especificidades e valorizando o esforço de autoria.

Ao que é possível acrescentar (Oliveira, 2005):

A condição de autoria é inerente à elaboração de idéias a serem expressas, especialmente na forma escrita. A avaliação dessa tessitura pressupõe bem mais do que aferir aptidão lingüística de um usuário. O texto constituído evidencia competência em língua materna, além do conjunto de habilidades que permitam ao sujeito/autor pensar, associar fatos, analisar situações, relacionar informações, compreender e dar engajamento do autor da redação no contexto social, histórico e interacional, enquanto sujeito participante e que se manifesta num dado espaço enunciativo.

Criticidade: a apreciação feita é qualificada; aponta para dimensões contextuais diversas e associadas ao tema, relacionado-as com propriedade. .( Ibidem)

Nesta seção, é observada a capacidade de o autor escrever a redação de forma qualificada, abordando diferentes aspectos referentes ao tema proposto, ou seja, a redação de nível excelente será aquela na qual o candidato expõe seu ponto de vista de forma abrangente e crítica, demonstrando conhecimento a respeito do assunto lançado no tema.

Qualidade Estilística: o texto evidencia riqueza quanto ao uso de frases complexas, de vocabulário variado, além de recursos retóricos. .( Ibidem)

A análise neste item dá-se na verificação do emprego de recursos expressivos, ou seja, se o candidato emprega corretamente frases complexas, usando diferenciados elementos de coesão, bem como possui vocabulário rico e variado. Também denotam importância neste item os recursos que o vestibulando usa para chamar a atenção do leitor, provando que possui estilo ao abordar com propriedade o tema da redação, inovando e criando assim um texto incomum. Este último item, pode-se dizer, é o resultado dos dois anteriores: autonomia e criticidade, pois sem estes aquele inexiste, ou seja, há correlação entre os três tópicos que finda na qualidade estilística.

Já conhecidos os critérios relacionados à Modalidade Analítica, pertinentes ao bloco Estrutura e Conteúdo do Manual do Avaliador da UFRGS, faz-se importante informar ao leitor deste artigo que os professores avaliadores das redações do Concurso Vestibular – CV – da UFRGS lêem cada texto, apreciando-o como um texto singular, escrito por um autor também único.

Benveniste (1991) comenta no capítulo Da subjetividade na linguagem:

É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de “ego”. A “subjetividade”[...] é a capacidade do locutor para se propor como “sujeito”. Define-se não pelo sentimento que cada um experimenta de ser ele mesmo[...] mas como a unidade psíquica que transcende a totalidade as experiências vividas que reúne, e que assegura a permanência da consciência.

E para que a subjetividade de cada professor que compõe as equipes de avaliação não interfira nem na subjetividade de cada texto lido, nem nas notas atribuídas, o Manual do Avaliador , elaborado pela Comissão Permanente de Seleção (COPERSE) é fundamental nesse processo, pois define critérios a serem seguidos no período de avaliação dos textos.

Já a competência discursiva do candidato que deseja atingir o nível excelente está em adequar o texto ao contexto da prova de forma coesa, organizada, criativa, original, ousada, etc., obedecendo o registro culto da língua materna sem fugas ou tergiversações, mas com um tema central, apresentado com teses sustentadas com argumentos corretamente concatenados.

A seguir, com o objetivo de exemplificar tais critérios quanto à Modalidade Analítica, referentes ao bloco Estrutura e Conteúdo, transcrevo, na íntegra, duas redações do Vestibular 2006 [1], de nível excelente, que serão analisadas com base nos dez critérios destacados:

Redação 1

Oportunidades
01. A teoria das múltiplas inteligências transformou a concepção secular de in- 02. teligência e talento – comumente associada às habilidades matemáticas e de racio-03. cínio lógico do indivíduo. Hoje, sabe-se que o ser humano é dotado de inteligências 04. e talentos múltiplos – alguns mais notórios, outros menos. Inteligente é desenvol-05. ver, de maneira interligada, as múltiplas inteligências – e daí o papel fundamental 06. da educação. De nada vale um talento isolado.
07. Para que se possa desenvolver determinado talento é preciso sabê-lo, o que 08. implica a necessidade de autoconhecimento. Apenas através da consciência das 09. próprias habilidades é que se pode trabalhá-las adequadamente. O papel dos pais 10. é bem importante nesse ponto, por serem eles os primeiros adultos a terem contato 11. com a criança, capazes, portanto, de reconhecer e estimular as habilidades de seu 12. filho. É na infância que o ser humano - aberto a todas as experiências – tem opor-13. tunidade de desenvolver sua percepção, suas habilidades. Seu “talento maior”, 14. então – se houver uma inteligência que se destaque com relação às outras – pode 15. aflorar, ainda na infância; ou mais tarde, de acordo com as experiências e vivências.
16. Não basta se desenvolver um talento isoladamente, até porque ele não se 17. realiza sozinho: está estreitamente ligado às demais habilidades – mesmo àquelas 18. menos desenvolvidas. As demais inteligências atuam como auxiliares indispensá- 19. veis: uma vez negligenciadas, podem pôr todo o “talento” a perder, o que não é in- 20. comum. São famosas as histórias de gênios perdidos precocemente, de músicos 21. virtuosos como Jimmy Hendrix e Janis Joplin, que morreram de overdose, além 22. de tantos outros. Faltou a essas pessoas, em sua maioria, inteligência emocional e 23. comunicativa, até, para auxiliá-los a administrar seu sucesso e sua vida pessoal. 24. Ainda que ciente de seu talento, um ser humano não consegue bastar-se dele sozi-
__________________
[1] A proposta da prova de Redação do Vestibular 2006 da UFRGS foi: Você tem que escrever um texto de caráter dissertativo abordando o tema: Basta ter TALENTO para conquistar um lugar no mundo?

25. nho.
26. Para que um talento seja devidamente reconhecido e adequadamente traba-27. lhado, é preciso, também, que se ache um lugar adequado para tal. Muitos talentos 28. se perdem em razão da falta de oportunidades, de um lugar em que os talentos in- 29. dividuais sejam reconhecidos e possam ser desenvolvidos com o auxílio de mes-30. tres, de quem entende do assunto. Exímios músicos não raro são esportistas pou-31. co habilidosos; talentos musicais dificilmente afloram em uma quadra de esportes. 32. Devem ser desenvolvidos em uma escola de música. Iniciativas como escolas de 33. música e de esporte que vão às periferias das grandes cidades, oferecendo a jovens 34. desacreditados a chance de descobrirem – e desenvolverem – seus talentos, têm ob- 35. tido bastante sucesso. Muitos jovens se profissionalizam, posteriormente, tornan- 36. do-se músicos e esportistas. Outros, dotados de outras habilidades, têm a oportuni- 37. dade de trabalhar outras capacidades, que certamente os auxiliarão ao longo de suas 38. vidas.
39. Através de uma educação – familiar, escolar, comunitária – que contemple 40. as habilidades, os talentos múltiplos do ser humano é que o torna capaz de desenvol-41. vê-las adequadamente. Ainda que haja um “talento maior”, de nada ele vale se não 42. for descoberto e desenvolvido; se não for aberto espaço devido para seu desenvol-43. vimento. Além disso, é preciso não descuidar das outras habilidades, que também 44. merecem atenção. De nada vale o talento, se sozinho.

Identificarei a seguir alguns trechos da redação para exemplificar aspectos que qualificam essa redação, tornando-a um texto com diferencial, capaz de chamar atenção do leitor.

1. Com relação ao tópico Caráter Dissertativo: a redação denota excelente argumentação, ou seja, o candidato apresenta teses e – logo a seguir – justifica uma a uma. Para exemplificar:

· tese: “Para que se possa desenvolver determinado talento é preciso sabê-lo, o que implica a necessidade de autoconhecimento.” (l. 07 –08),
· argumento: “Apenas através da consciência das próprias habilidades é que se pode trabalhá-las adequadamente.” (l. 08 – 09);

o tese: “O papel dos pais é bem importante nesse ponto” (l. 09-10),
o argumento:: “por serem eles os primeiros adultos a terem contato com a criança, capazes , portanto, de reconhecer e estimular as habilidades de seu filho.”(l.10 – 12);

§ tese: “Para que um talento seja devidamente reconhecido e adequadamente trabalhado, é preciso, também, que se ache um lugar adequado para tal.” (l. 26 – 27),
§ argumento: “Muitos talentos se perdem em razão da falta de oportunidades, de um lugar em que os talentos individuais sejam reconhecidos e possam ser desenvolvidos com o auxílio de mestres, de quem entende do assunto.” (l. 27 –30).
2. Quanto à Estrutura de Parágrafos: o texto apresenta par´grafos independentes e bem divididos. Introdução, desenvolvimento e conclusão bem organizados, obedecendo ao movimento retórico: com início, meio e finalização de raciocínio. Isso não só no texto como um todo, mas também em cada parágrafo.

3. Quanto ao item Organicidade: o texto está em nível excelente pois: apresenta teses e argumentos que as comprovam, conduzindo o leitor por entre fatos restritos/próximos como em: “O papel dos pais é bem importante” (l. 09 - 10) e “É na infância que o ser humano – aberto a todas as experiências – tem oportunidade” (l. 12 – 13); e entre idéias abrangentes/distantes como em: “São famosas as histórias de gênios perdidos precocemente, de músicos virtuosos como Jimmy hendrix e Janis Joplin, que morreram de overdose” (l. 20 – 21).

4. No tocante à Abordagem do Tema, a excelência da redação está no fato de o vestibulando desenvolver o tema proposto, apresentando idéias relevantes e fatos significativos de maneira progressiva, na tentativa de responder à pergunta da proposta da prova de Redação. Vejamos, a seguir, um trecho de cada parágrafo para exemplificar este item:

a) Primeiro parágrafo: “A teoria das múltiplas inteligências transformou a concepção secular de inteligência e talento” (l. 01 – 02);

b) Segundo parágrafo: “Para que se possa desenvolver determinado talento é preciso sabê-lo” (l. 07);

c) Terceiro parágrafo: “Não basta se desenvolver um talento isoladamente” (l. 16);

d) Quarto parágrafo: “Para que um talento seja devidamente reconhecido e adequadamente trabalhado, é preciso, também, que se ache um lugar adequado para tal.” (l. 26 – 27);

e) Quinto parágrafo: “Ainda que haja um ‘talento maior’, de nada ele vale se não for descoberto e desenvolvido” (l. 41 – 42).

5) Com relação ao tópico Clareza do ponto de vista: fica evidente – ao longo do texto – que o autor expõe sua opinião a respeito do tema de forma clara e coerente. A exemplo disso:

a) “De nada vale um talento isolado.” (l. 06) – na introdução;

b) ”Para que se possa desenvolver determinado talento é preciso sabê-lo” (l. 07) – primeiro parágrafo do desenvolvimento;

c) “Não basta desenvolver um talento isoladamente” (l. 16) – segundo parágrafo do desenvolvimento;

d) “Para que um talento seja devidamente reconhecido e adequadamente trabalhado” (l. 26 –27) – terceiro parágrafo de desenvolvimento;

f) “os talentos múltiplos do ser humano é que o torna capaz de desenvolvê-las adequadamente.” (l. 40 – 41) – na conclusão.

6. Quanto à Consistência Argumentativa: o autor faz referências pertinentes e acrescenta a elas informações que justificam seu ponto de vista como, por exemplo, na linha 1, onde o autor menciona “A teoria das múltiplas inteligências” e, logo depois, informa – nas linhas 2, 3 e 4: “associada às habilidades matemáticas e de raciocínio lógico do indivíduo. Hoje, sabe-se que o ser humano é dotado de inteligências e talentos múltiplos”.

7. Com relação ao critério Coesão Textual, podemos verificar no texto o uso qualificado e preciso de nexos, modalizadores, correlação de tempos verbais, referências anafóricas etc.:

a) ser humano (l. 03) – referindo-se a indivíduo (l. 03);

b) alguns mais notórios, outros menos (l. 04) – pronomes retomando a expressão talentos múltiplos (l. 04);

c) daí (l. 05) – retomando as idéias anteriores;

d) sabê-lo (l. 07) – pronome retomando a palavra talento (l. 07);

e) trabalhá-las (l. 09) – pronome referindo-se à expressão próprias habilidades (l. 09);

f) a expressão nesse ponto (l. 10) – fazendo analogia à idéia lançada no período anterior;

g) suas (l. 13);

h) sua, suas e seu (l. 13) – referindo-se a ser humano (l. 12);

i) conjunção ou (l. 15);

j) ele (l. 16) – referindo-se a talento (l. 16);

k) aquelas (l. 17) – referindo-se a habilidades (l. 17);

l) essas pessoas (l. 22) – referindo-se a Jimmy Hendrix e Janis Joplin (l. 21);

m) seus (l. 34);

n) o pronome o (l. 40);

o) Além disso (l. 43) – retomando as idéias anteriores e dando seqüência a elas com novas informações;

p) for descoberto e desenvolvido e for aberto (l. 42) – estabelecendo correlação de tempos verbais.

8. Quanto ao item Autonomia, podemos observar na redação analisada, um esforço bem sucedido do autor para expressar singularidade, pois o candidato lança idéias, que defendem seu ponto de vista, de forma criativa, tornando o texto agradável à leitura. Vejamos alguns exemplos:

a) “A teoria das múltiplas inteligências transformou a concepção secular de inteligência e talento – comumente associada às habilidades matemáticas e de raciocínio lógico do indivíduo. Hoje, sabe-se que o ser humano é dotado de inteligências e talentos múltiplos – alguns mais notórios, outros menos. Inteligente é desenvolver, de maneira interligada, as múltiplas inteligências – e daí o papel fundamental da educação.” (l. 01 – 06);

b) “As demais inteligências atuam como auxiliares indispensáveis: uma vez negligenciadas, podem pôr todo o “talento” a perder, o que não é incomum. São famosas as histórias de gênios perdidos precocemente, de músicos virtuosos como Jimmy. Hendrix e Janis Joplin, que morreram de overdose, além de tantos outros. Faltou a essas pessoas, em sua maioria, inteligência emocional e comunicativa, até, para auxiliá-los a administrar seu sucesso e sua vida pessoal.” (l. 18 – 23);

c) “Exímios músicos não raro são esportistas pouco habilidosos; talentos musicais dificilmente afloram em uma quadra de esportes. Devem ser desenvolvidos em uma escola de música.” (l. 30 – 32).

Com relação ao item Criticidade, o autor destaca-se por:

a) discorrer, de forma crítica e abrangente sobre o tema, referindo-se ao ser humano enquanto indivíduo, família e ser social, destacando a importância da educação e oportunidades dadas a ele para que consiga desenvolver seu talento:

Ø “Inteligente é desenvolver, de maneira interligada, as múltiplas inteligências – e daí o papel fundamental da educação. De nada vale um talento isolado.” (l. 04 – 06);
Ø “Para que se possa desenvolver determinado talento é preciso sabê-lo, o que implica a necessidade de autoconhecimento. Apenas através da consciência das próprias habilidades é que se pode trabalhá-las adequadamente. O papel dos pais é bem importante nesse ponto, por serem eles os primeiros adultos a terem contato com a criança, capazes, portanto, de reconhecer e estimular as habilidades de seu filho.” (l. 07 – 12);
Ø “Através de uma educação – familiar, escolar, comunitária – que contemple as habilidades, os talentos múltiplos do ser humano é que o torna capaz de desenvolvê-las adequadamente.” (l. 39 – 41).
10. No que diz respeito à Qualidade Estilística, pode-se perceber o nível excelente na redação, pois o vestibulando usa:

a) vocabulário diversificado:

· teoria das múltiplas inteligências (l. 01);
· comumente associada às habilidades matemáticas (l. 02);
· dotado de inteligências e talentos múltiplos (l. 03 – 04);
· necessidade de autoconhecimento (l. 08);
· desenvolver sua percepção (l. 13);
· está estreitamente ligado às demais habilidades (l. 17);
· inteligência emocional e comunicativa (l. 22 – 23);
· Exímios músicos (l. 30);
· oportunidade de trabalhar outras capacidades (l. 36 –37);
· que contemple as habilidades (l. 39 – 40).


b) domínio de frases complexas:

§ “A teoria das múltiplas inteligências transformou a concepção secular de inteligência e talento – comumente associada às habilidades matemáticas e de raciocínio lógico do indivíduo.” (l. 01 – 03);
§ “Apenas através da consciência das próprias habilidades é que se pode trabalhá-las adequadamente.” (l. 08 – 09);
§ “As demais inteligências atuam como auxiliares indispensáveis: uma vez que negligenciadas, podem pôr todo o ‘talento’ a perder, o que não é incomum.” (. 18 – 20);
§ “Ainda que ciente de seu talento, um ser humano não consegue bastar-se dele sozinho.” (l. 24 – 25)

A seguir, ainda na tentativa de destacar características em redações de nível excelente do CV da UFRGS, transcrevo e analiso outro texto qualificado:

Redação 2

Talento e realidade social
01. Um turista estrangeiro, certa vez, declarou em uma entrevista, ao falar sobre 02. as favelas do Rio de Janeiro: “Imagine quantos Shakespeares não se perderam lá.” 03. Com essa frase, expôs não apenas o descaso pelas populações menos favorecidas, 04. como também expressou uma grande verdade: talento, sozinho, não basta para de-05. senvolver-se.
06. O imaginário coletivo, reforçado por reportagens de “casos de sucesso”, cul-07. tiva a idéia do êxito pessoal mediante talento e esforço. Temos exemplos de atletas 08. encontrados por olheiros, modelos descobertas em plena rua e atores-revelação que 09. nunca haviam atuado. Cultuamos o sonho americano à brasileira, com otimismo 10. inesgotável que é talvez o talento nacional. A realidade, no entanto, prova o con-11. trário: casos de sucesso são poucos.
12. Que dizer, por exemplo, de artistas de rua que se apresentam durante horas, 13. diariamente, por algumas moedas? Têm eles menos talento que um cantor fabricado 14. sob medida pela indústria fonográfica? E o ambulante que elege sua mercadoria e 15. área de atuação de acordo com a demanda, só é ambulante porque seu talento é me-16. nor que o de um vendedor de multinacional? É difícil comparar talentos já que não 17. são mensuráveis, mas é fácil ver que há fatores externos que influenciam bastante 18. na conquista do espaço de cada pessoa.
19. Para que o talento fosse o fator decisivo, seriam necessárias condições iguais 20. para todos: educação, direitos, oportunidades. Como tal cenário é utópico, o talento 21. seguirá sendo apenas um entre tantos elementos que definem a busca do ser huma- 22. no por seu lugar no mundo. E seguiremos convivendo com escritores, médicos, edu-23. cadores e outros profissionais sem talento, enquanto inúmeros Shakespeares, Car- 24. los Chagas e Paulos Freires jamais poderão compartilhar os seus.

Vejamos agora a análise desse texto quanto aos dez critérios já explicitados neste artigo:

1. Caráter Dissertativo: o texto inicia com uma narrativa: Um turista estrangeiro, certa vez, declarou em uma entrevista, ao falar sobre as favelas do Rio de Janeiro: ‘Imagine quantos Shakespeares se perderam por lá.’ (l. 01 – 02). Esse episódio narrativo está, como (nós, avaliadores) chamamos, “a serviço da argumentação”, ou seja, o autor usa esse exemplo para reforçar seu ponto de vista. E há predomínio do caráter dissertativo ao longo da redação, como podemos perceber neste outro exemplo: É difícil comparar talentos já que não são mensuráveis, mas é fácil ver que há fatores externos que influenciam bastante na conquista do espaço de cada pessoa. (l. 16 – 18). E ainda: seriam necessárias condições iguais para todos: educação, direitos, oportunidades. Como tal cenário é utópico, o talento segura sendo um entre tantos elementos que definem a busca do ser humano por um lugar no mundo. (l. 19 – 22).

2. Estrutura de Parágrafos: a redação apresenta ótima organização, tanto do ponto de vista interno como externo. Há equilíbrio quanto ao número de linhas em cada parágrafo, que são autônomos e possuem adequada divisão de períodos.

3. Organicidade: o texto está em nível excelente, pois o candidato lança teses e/ou informações e, a seguir, justifica-as de forma articulada e consecutiva, transitando do mais simples/próximo ao mais complexo/distante. Vejamos alguns exemplos: Temos exemplos de atletas encontrados por olheiros, modelos descobertas em plena rua e atores-revelação que nunca haviam atuado. Cultivamos o sonho americano à brasileira, com otimismo inesgotável que é talvez o talento nacional. (l. 07 –10). E seguiremos convivendo com escritores, médicos, educadores e outros profissionais sem talento, enquanto inúmeros Shakespeares, Carlos Chagas e Paulos Freires jamais poderão compartilhar os seus.(l. 22- 24).

4. Abordagem do Tema: a excelência da redação é indiscutível neste tópico, pois o candidato responde à pergunta-tema ao longo do texto. Para exemplificar: talento sozinho não basta para desenvolver-se (l. 04 – 05); O imaginário coletivo, reforçado por reportagens de “casos de sucesso”, cultiva a idéia de êxito pessoal mediante talento e esforço (l. 06 – 07); Têm eles o mesmo talento que um cantor fabricado sob medida pela indústria fonográfica? (l. 13 –14); É difícil comparar talentos (l. 16); Para que o talento fosse o fator decisivo, seriam necessárias condições iguais para todos (l. 19 – 20).

5. Clareza do ponto de vista: o autor já no início evidencia seu ponto de vista: talento, sozinho, não basta para desenvolver-se (l. 04 – 05); reforçando-o ao longo da redação: Cultivamos o sonho americano à brasileira, com otimismo inesgotável que é talvez o talento nacional. A realidade, no entanto, prova o contrário: casos de sucesso são poucos. (l. 09 – 11). E ainda: Para que o talento fosse o fator decisivo, seriam necessárias condições iguais para todos: educação, direitos, oportunidades. (l. 19 – 20).

6. Consistência argumentativa: o texto está em nível excelente, pois o autor lança informações e faz referências claras a fim de sustentar seu posicionamento, fazendo progredir a discussão com idéias concatenadas e progressivas. A exemplo disso, transcrevo alguns trechos: Um turista estrangeiro, certa vez, declarou em uma entrevista, ao falar sobre as favelas do rio de Janeiro: “Imagine quantos Shakespeares não se perderam lá.” (l. 01 - 02); Que dizer, por exemplo, de artistas de rua que se apresentam durante horas, diariamente, por algumas moedas? (l. 12 – 13); E seguiremos convivendo com escritores, médicos, educadores e outros profissionais sem talento, enquanto inúmeros Shakespeares, Carlos Chagas e Paulos Freires jamais poderão compartilhar os seus. (l. 22 – 24).

7. Coesão Textual: o autor exibe conhecimento de recursos coesivos, empregando-os de forma correta e qualificada, estabelecendo relação não só entre elementos de uma frase, mas também entre frases, períodos e, até mesmo, entre parágrafos. Para explicitar este item, aponto elementos gramaticais e lexicais. Entre os primeiros estão: os pronomes anafóricos, as conjunções, a concordância nominal e verbal. Já a coesão lexical ocorre no texto pela substituição, associação e reiteração, sendo que esta ocorre pela repetição de algum item lexical. Vejamos alguns exemplos:

a) com essa frase (l. 03);
b) não apenas (l. 03) e como também (l. 04);
c) pronome que (l. 08);
d) no entanto (l. 10);
e) “casos de sucesso” (l. 06) e casos de sucesso (l. 11);
f) eles (l. 13);
g) ambulante (l. 14) e ambulante (l. 15);
h) porque (l. 15);
i) mas (l. 17);
j) Como tal cenário (l. 20) – referindo-se ao período anterior;
k) seu (l. 22);
l) E (l. 22);
m) os seus (l. 24);
n) talento, sozinho (l. 04); talento e esforço (l. 07); menos talento (l. 13); seu talento (l. 15); comparar talentos (l. 16); talento (l. 19, 20 e 23);
o) expôs (l. 03) e expressou (l. 04) – correlação de tempos verbais;
p) apresentam (l. 12) e têm (l. 13) – correlação de tempos verbais.

8. Autonomia: neste item verificamos que é notório o esforço do vestibulando para deixar sua marca de autoria no texto, sendo criativo e original. Isso é percebido logo na introdução com o episódio narrativo que levanta, de forma criativa, o problema social do país: Um turista estrangeiro, certa vez, declarou em uma entrevista, ao falar sobre as favelas do Rio de Janeiro: “Imagine quantos Shakespeares não se perderam lá. (l. 01 – 02). E, ao longo do texto, o candidato vai lançando outras frases originais como: E seguiremos convivendo com escritores, médicos, educadores e outros profissionais sem talento, enquanto inúmeros Shakespeares, Carlos Chagas e Paulos Freires jamais poderão compartilhar os seus. (l. 22 – 24).

9. Criticidade: o autor destaca-se por discorrer sobre o tema de forma crítica e significativa, apresentando idéias variadas como: talento, sozinho, não basta (l. 04); êxito pessoal mediante talento e esforço (l. 07) como fruto de um imaginário coletivo (l. 06); casos de sucesso são poucos (l. 11). No terceiro parágrafo, o autor lança questionamentos ao leitor e, logo, ele próprio apresenta resposta: É difícil comparar talentos já que não são mensuráveis, mas é fácil ver que há fatores externos que influenciam bastante na conquista do espaço de cada pessoa. (l. 16 – 18). O candidato aqui refere-se aos problemas sociais do país. Argumento esse reforçado na conclusão: Para que o talento fosse o fator decisivo, seriam necessárias condições iguais para todos: educação, direitos, oportunidades. (l. 19 – 20).

10. Qualidade Estilística: a redação está em nível excelente porque o candidato emprega vocabulário variado e domina as frases complexas. Para exemplificar, transcrevo alguns trechos:

a) de vocabulário variado: Shakespeares (l. 02 e 23); imaginário coletivo (l. 06); êxito pessoal (l. 07); otimismo inesgotável (l 09 – 10); fatores externos (l. 17); fator decisivo (l. 19); utópico (l. 20).

b) de frases complexas: O imaginário coletivo, reforçado por reportagens de “casos de sucesso”, cultiva a idéia de êxito pessoal mediante talento e esforço. (l. 06 – 07); É difícil comparar talentos já que não são mensuráveis, mas é fácil ver que há fatores externos que influenciam bastante na conquista do espaço de cada pessoa. (l. 16 – 18); Como tal cenário é utópico, o talento seguirá sendo um entre tantos elementos que definem a busca do ser humano por seu lugar no mundo. (l. 20 – 22).

Considerações Finais

Ante ao exposto, entende-se o que Caetano coloca em sua música “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, pois o aluno que sabe tirar proveito da língua materna e de seus conhecimentos, acadêmicos e de mundo, é capaz não só de ser, mas também de falar e escrever um texto em nível excelente. Para isso, não precisa estar limitado a formas preestabelecidas, mas é necessário que seja corajoso a ponto de ser criativo e ousado, sendo senhor de seu texto e criando estilos.
Como vimos, a análise esboçada por este texto parte de uma reflexão acerca dos dez critérios do primeiro bloco da Avaliação Analítica presentes na planilha de avaliação das redações da UFRGS com critérios bem claros a fim de, por um lado, amenizar a interferência da subjetividade por parte dos professores que formam a banca de avaliadores das redações do CV. Por outro lado, tais análises tentam comprovar que escrever redação em nível excelente não é tão difícil quanto possa parecer. E esperamos que professores e alunos sejam aliados no sentido de desenvolver e aprimorar cada vez mais os itens explicitados neste texto, buscando excelência na escritura de redações de vestibular.


Referências Bibliográficas

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Comissão Permanente de Seleção. Manual do Avaliador. Editora da UFRGS, Porto Alegre, 2006.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Prova do Concurso Vestibular 2006.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Comissão Permanente de Seleção. Redação Instrumental. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Comissão Permanente de Seleção. A Redação no Contexto do Vestibular 2005. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005.

OLIVEIRA, A. de. A Condição de autoria em redações do vestibular da UFRGS. In: COPERSE (org). A Redação no Contexto do Vestibular 2005. Editora da UFRGS, Porto alegre, 2005.

MARCHEZAN, M da S. A avaliação do texto dissertativo: a importância de apresentar um diferencial. In: COPERSE. A Redação no Contexto do Vestibular 2005. Editora da UFRGS, Porto Alegre, 2005.

BENVENISTE, Émile. Problemas de Lingüística Geral. Pontes: Editora da UNICAMP
, Campinas, 1991.

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