segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Analfabetismo funcional x cidadania:

os prejuízos para a Redação de Vestibular,
e o letramento como domínio da língua materna
e fenômeno de inserção social.


Ana Lúcia Silva VARGAS*
* Pedagoga, professora das redes públicas municipal - Alegrete - e estadual – RS -, pós-graduanda em Educação Infantil e Anos Iniciais

Mariléia da silva MARCHEZAN**
** Professora especialista em Educação Inclusiva, avaliadora das redações de vestibular da UFRGS e professora de Língua Portuguesa e Redação da rede estadual de ensino do RS – Alegrete
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Artigo publicado no Cadernos do Aplicação - UFRGS. In:
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Resumo: Com este artigo estabelecemos uma reflexão a respeito da prática tradicional de alfabetização nas escolas e o desenvolvimento das competências de leitura e escrita no ensino da língua materna dos Anos Iniciais ao Ensino Médio. Propomos uma mudança na ação pedagógica do professor e o letramento como forma eficaz de ensino e aprendizagem para plena participação social, buscando a superação dos dados reais e cruéis do analfabetismo funcional detectados em pesquisas e comprovados no número de avaliações de redações de vestibular com zero e tangenciamento por incapacidade do vestibulando para compreender a proposta lançada pela universidade.

Palavras-chave: Leitura e escrita, letramento, analfabetismo funcional e redação de vestibular.


O filme Central do Brasil (1998), de Walter Salles vencedor do Urso de Ouro em Berlim, relata a história de Dora (Fernanda Montenegro) e de Josué (Vinicius de Oliveira), um menino a quem ela auxilia na busca pelo pai que ele desconhece, retrata algumas das questões centrais do acesso à leitura e ao letramento no Brasil, mostrando um enorme contingente de adultos que não dominam a escrita e as limitações de suas vidas devido a isso.
O domínio da língua tem estreita ligação com a possibilidade da plena participação social. E a escola tem a função e a responsabilidade de garantir o acesso aos saberes lingüísticos e exercício da cidadania. Essa responsabilidade será tanto maior quanto maior for o grau de letramento da comunidade.
O ensino da língua portuguesa lança a três articulações: o aluno, a língua e o ensino. O aluno é sujeito da ação de aprender e age sobre o objeto do conhecimento. A educação precisa criar condições de desenvolvimento de acordo com as necessidades pessoais e oferecer bons materiais de leitura e escrita a fim de valorizar a leitura, fonte de informações.
A leitura como construção de significado do texto veicula a compreensão do que se lê, amplia a visão de mundo e insere o leitor na cultura letrada, estimula o desejo de ler, aproxima-o de textos, possibilita produções e estabiliza normas ortográficas. Pela diversidade de textos escritos, a criança aprende a ler e escrever, pensando sobre a ação, analisando a grafia, a linguagem e as diferenças de gênero.
A leitura do dia-a-dia ajuda a compreender o texto se o aluno tem curiosidade e interesse no assunto e busca descobrir informações, retirando idéia principal e ligando partes do texto. O foco do professor é a compreensão do contexto da leitura relacionando-a com novos conhecimentos, respeitando o ritmo de aprendizagem de cada aluno e preparando estratégias de ensino que privilegiam as atividades diferenciadas. Sabemos que a aprendizagem não depende somente da estrutura biológica, mas também
do meio e dos estímulos, pois o ato de ler é uma operação mental complexa e marcada por conflitos, tensões e descobertas e envolve ativamente as pessoas.
Para entender um texto é necessário conhecer a língua, ter um objetivo e ter experiências ou conhecimentos prévios relacionados ao assunto do texto.
O estudo do português deve criar condições de desenvolvimento de competências de comunicação como possibilidades de utilizar a língua de modo variado e adequado ao contexto e às diferentes situações e práticas sociais e modalidades de leitura e escrita, valorizando a pluralidade cultural, contestando qualquer forma de discriminação.
A produção de diferentes tipos de textos orais e escritos reflete criticamente e instrumentaliza a aprendizagem. O objetivo central do ensino e da aprendizagem é que os alunos sejam escritores e leitores competentes, rompendo com procedimentos tradicionais que colocam a alfabetização como pré-requisito para a leitura e a escrita.
Ler não é decifrar o código alfabético e sim extrair significado de um texto escrito, por isso, o professor deve propor atividades diárias, cotidianas de leitura e escrita em Língua Portuguesa com dimensões culturais significativas e relevantes. É indispensável que a criança possa entrar em contato com diversos tipos de texto: fábulas, contos, cartas, bilhetes, notícia, poesia, história em quadrinhos etc. e com as suas diferentes funções, até mesmo crianças ainda não alfabetizadas interagem com textos escritos.
Ler um texto é mais que decodificar os signos, mas atribuir a eles significados. A leitura também pode ativar todos os conhecimentos anteriores que os leitores já possuem. Na verdade, são os leitores que fazem um texto de qualquer tipo ganhar sentido. É através da leitura que aprendemos a dominar o medo de escrever as palavras, e cada leitor interage com um determinado texto a partir de suas situações pessoais, sendo que a leitura tornou-se um instrumento indispensável à vida na sociedade.
Já a ortografia reflete a tentativa de unificação da forma como se escreve e para a comunicação entre as pessoas, sendo que os erros das crianças nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental demonstram evolução cognitiva, e a psicogênese (Nota 1) descreve a evolução conceitual na apropriação do sistema alfabético de escrita.
Durante muito tempo houve consenso da forma de cobrança dos alunos no trabalho com ortografia, enfatizando-se o conteúdo. Hoje se trabalha com o erro como hipótese de acerto, e escrever é considerado mais do que somente grafar corretamente.
A aprendizagem é um processo autônomo, que precisa ser estimulado sob o prisma de projetos referentes à vida das pessoas. Na organização de boas atividades escolares, as crianças transformam-se em leitoras e produtoras de textos, tanto individualmente como coletivamente, competências essas levadas para toda a vida.
A linguagem é uma habilidade muito importante na organização da aprendizagem como aptidão necessária nas relações entre professor e alunos. Também a afetividade é essencial como fator de intervenção e base para as experiências em sala de aula, sendo que, para isso, os professores precisam compreender a criança e seu universo sociocultural, emocional e cognitivo.
É de fundamental importância que, no processo de aprendizagem, sejam renovadas as metodologias para priorizar a construção de conhecimentos e a descoberta de potencialidades, competências e habilidades, principalmente em trabalho coletivo, estimulando a participação, a autonomia e a segurança em suas capacidades. Já a relevância do uso da linguagem é determinada historicamente pelas necessidades de cada momento, dependendo também das exigências e demandas da sociedade contemporânea.
Enquanto somente compreendida no aspecto restrito da construção da escrita alfabética, a alfabetização precisa ocorrer dentro de um processo com mais amplitude da aprendizagem da língua nativa. Uma concepção sobre aprendizagem inicial da leitura é a decodificação, isto é, transformar letras e sons, e a escola tem se mostrado eficiente em formar leitores com capacidade de decodificação, mas não de interpretação de um texto escrito.
O termo alfabetização sofreu ao longo dos anos uma transformação conceitual, passando a ser entendida como o processo em que a criança compreende os mecanismos da leitura e da escrita, desenvolvendo habilidades de uso social. A alfabetização é um processo de construção pessoal, mas socialmente mediatizada.
O ato de ler tem cunho social e deve ser considerado como um meio e nunca um fim, sendo assim a leitura precisa responder a um objeto e às necessidades das pessoas. Vejamos:
Ler é “questionar algo escrito como tal, a partir de uma expectativa real, numa verdadeira situação de vida. Questionar um texto é fazer hipóteses de sentido, a partir de indícios levantados e verificar essas hipóteses”.(JOLIBERT, 1994, p.15)
Lê-se para “responder à necessidade de viver com os outros, na sala e na escola. Para se comunicar com o exterior, para descobrir as informações das quais se necessita (...) para alimentar e estimular o imaginário” (JOLIBERT, 1994, p.31)
A alfabetização, na verdade, é um processo que começa antes da escola, por meio das leituras de mundo que a criança vai construindo e que leva para a aula como conhecimentos prévios. A escrita aparece nesse processo de construção como objeto social e, assim como a leitura, consolida-se pela necessidade de comunicação e expressão.
A linguagem compreende a aquisição da leitura e da escrita, na perspectiva em que é mediadora da relação e interação entre os sujeitos em seu meio e para isso:

(...) o domínio da língua oral e escrita é fundamental para a participação social efetiva (...), pois é, por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. (PCNs,1997,vol.2,p.23)

A conquista da compreensão do esquema de escrita alfabética não dá garantia aos alunos de produção de textos ou ainda da capacidade de ler e de interpretar. Essa aprendizagem necessita de um trabalho pedagógico sistemático e abrangente para ser eficaz para que os usos que a sociedade faz do sistema de escrita possam estar presentes no ambiente de aula de maneira viva e concreta.
Por letramento entende-se o produto da participação em atividades sociais que utilizam a escrita como sistema simbólico. Na escola, a leitura vem sendo objeto de estudo e, para que seja significativo para o aluno, precisa constituir-se também de objeto de aprendizagem. Para tanto, a escola deve ter práticas de leitura em diversidade textual, com portadores com informações relevantes para cada aluno.

Para aprender a ler, portanto é preciso interagir com a diversidade de textos escritos, testemunhar a utilização que os leitores fazem deles e participar de atos de leitura de fato: é preciso negociar o conhecimento que já se tem e o que é apresentado pelo texto, o que está atrás e diante dos olhos, recebendo incentivo e ajuda de leitores experientes. (PCNs, 1997, vol.2,p.56)

A sociedade contemporânea é letrada e prima pela autonomia e atuação participativa e independente. Aquelas pessoas que não conhecem o código da linguagem escrita são massificadas e excluídas da dinâmica das relações sociais, pois não têm acesso à manipulação das informações e conhecimentos.
O fenômeno do letramento potencializa o sujeito como cidadão para lidar com as estruturas de poder na sociedade com o impacto da escrita. Ele extrapola o mundo da escrita tal como é concebida pelas instituições que introduzem formalmente os sujeitos no mundo das letras. E o analfabetismo é o elemento cerceador da liberdade e da sobrevivência do mundo atual.
Está claro que o grau de letramento que se verifica nos estudantes é dependente do grau de letramento das instituições sociais nas quais estão inseridas, ou seja, a família, a escola, a comunidade etc. Diz Deheinzelin: “(...) se a escola não for o lugar de acesso democrático ao conhecimento, a situação de profunda desigualdade econômica, de injustiça social e de imensas dificuldades (...) será mantida indefinidamente “(1999, p.68).

A Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) divulgou os índices de uma pesquisa realizada com os gaúchos, testando os percentuais do alfabetismo funcional que verifica o quanto alguém realmente compreende daquilo que leu (ZERO HORA, Caderno da Feira, 2006 ,p.2). O indicador de alfabetismo funcional é verificado em todo o Brasil, desde 2001, de dois em dois anos, sendo que o país conta com o índice das pessoas que têm pleno entendimento do que lêem de 25%, e no RS é de 30%; 1/3 dos entrevistados com curso superior não apresentou completo entendimento de textos longos, mas à medida que vai diminuindo a faixa etária, o índice é menor, de 1% entre jovens de 15 e 24 anos.
Sabemos que não basta saber ler e escrever, é necessário fazer uso social das competências da leitura e da escrita, pois freqüentes mudanças sociais geram novas demandas. E diferentes frentes de pesquisa têm proporcionado argumentos importantes a uma pedagogia de confronto às práticas alfabetizadoras alienantes e em prol de um ensino ambientado na realidade vivencial dos sujeitos, de uma forma dialógica e de caráter construtivo da aprendizagem.
Uma questão importante é que muitos jovens e adultos não tiveram acesso à educação na idade apropriada, o que os afastou das possibilidades de letramento e de uma das vias mais possíveis do exercício da cidadania, pois hoje no Brasil, não se considera alfabetizado quem somente sabe escrever um bilhete com uma mensagem simples. Portanto, letramento pressupõe práticas sociais em que a leitura e a escrita são exigências conceituais e que envolvem a compreensão e expressão lógica e verbal.

“Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de uma sociedade “(TFOUNI, 1995, p.20).

Magda Soares estabelece dimensões diferentes para alfabetização e letramento.

Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e a ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos (in RIBEIRO, 2003, p. 91).
É impossível não reconhecer o valor conceitual dos dois termos. A compreensão que se tem, atualmente, acerca do termo letramento tem como objetivo então, extirpar da prática educativa as ações mecânicas de alfabetização, e o principal objetivo dos educadores deve ser o de alfabetizar letrando.
A chamada norma culta de escrita pressupõe a legitimidade do padrão convencional e por vezes elitista, sendo que as classes de alfabetização nas escolas tradicionais pautaram sempre o ensino da língua pela progressão ordenada dos conhecimentos, aprendendo a forma dominante ao assimilar as normas do sistema de escrita.
Desde cedo, a criança observa e interage com seus semelhantes, atribuindo significado aos seres, objetos e situações que a rodeiam. Antes mesmo de ingressar na escola, ela pode ser capaz de “ler” logomarcas, seu próprio nome e palavras que lhe são significativas, como o nome de um brinquedo. Além disso, provavelmente, levanta hipóteses sobre a função de textos que circulam pelo seu ambiente familiar e social com letreiros de ônibus, receita de bolo, títulos de gibis ou livros infantis, símbolos convencionais de transito, etc.
Aprender a ler é muito mais do que simplesmente aprender o valor sonoro das letras, juntar sílabas, palavras e frases. É preciso proporcionar à criança o contato e a interação com textos escritos, de modo que ela possa perceber as funções sociais da escrita. Ler um texto para a criança, na escola ou em casa, quando ela ainda é incapaz de ler sozinha, geralmente a leva a associar leitura e prazer.
Em contato com a linguagem escrita, com textos que circulam pelo seu meio, a criança vai adquirindo habilidades para analisar e refletir sobre as relações e os sentidos do texto, das palavras como se constituem e se organizam na formação de significados. Em seu meio social, a criança presencia situações de leitura, e com elas se torna capaz de reconhecer que é preciso ter acesso ao código da escrita, o qual segue determinadas convenções. Os conhecimentos são construídos a partir de situações reais e significativas, que devem ter continuidade nos momentos formais de aprendizagem escolar.
A criança precisa aprender a ler a partir de situações reais, onde o texto é usado para obter informação, diversão e não como pretexto para se ensinar como se lê. É com a leitura que se aprende a ler, ou melhor, é tentando ler que se pode questionar e aprender sobre o que e como se lê. E o professor deve interferir quando necessário para que o aluno, paulatinamente possa dominar a multiplicidade de habilidades significativas numa leitura competente, atingindo objetivos programáticos mais amplos e globais.
Diferente do que se pensou e praticou durante muitos anos, a escrita não é aprendida de forma linear e acumulativa: letras, sílabas, palavras, frases e textos. Essa aprendizagem percorre caminhos impulsionados por hipóteses sobre o funcionamento do sistema de códigos, e essas hipóteses vão se reconstruindo e tornando-se mais complexas conforme o contato com textos e as intervenções que outras pessoas mais experientes vão exercendo nesse processo. A convivência com indivíduos com alto grau de letramento, a possibilidade de participar de situações em que a escrita tem função relevante,o número e a qualidade das intervenções feitas em relação às inquietações e hipóteses das crianças sobre a escrita, certamente fazem variar o conhecimento que elas têm, mesmo antes de participar de classes alfabetizadoras. Essa preocupação não deve restringir-se à ação pedagógica dos Anos Iniciais, mas acompanhar a prática educativa dos Anos Finais e Ensino Médio.
A leitura e a escrita permitem que as pessoas respondam às exigências da sociedade grafocêntrica e insiram-se criticamente na comunidade da qual fazem parte.A aprendizagem da língua escrita deixa de ser uma questão estritamente pedagógica para estar integrada a uma esfera política.
Emília Ferreiro destaca que:
“a escrita é importante na escola porque é importante fora dela e não o contrário”(2001,p.15).
Paulo Freire defendia a tese de que os estudos sobre a leitura e a escrita configuram a conotação política sobre a conquista da alfabetização pois, ao contrário do que se faz tradicionalmente na sala de aula, os níveis de analfabetismo têm aumentado ano após ano.
O IBGE (2003) considerou no Brasil 16.295.000 analfabetos, que mesmo alfabetizados, são incapazes de ler textos longos, localizar ou relacionar suas informações.
Descartando as explicações simplistas, que culpam os alunos e suas famílias pelo fracasso escolar, a escola precisa admitir que os problemas de aprendizagem se explicam muito mais pelas relações que se estabelecem no contexto da sala de aula pela tríade professor-aluno-objeto do conhecimento. Por isso, acreditamos que os professores devem, antes de tudo, compreender o aluno para com ele estabelecer uma relação dialógica, significativa e comprometida com a aprendizagem.
A Educação tem a função de preparar a criança para o desenvolvimento das competências e habilidades, por isso, o trabalho pedagógico necessita de papéis ativos do professor e aluno, possibilitando a construção de um projeto eficaz de aprendizagem. Para tanto a ação pedagógica precisa reconhecer que cada criança possui processos próprios e respeitá-los, trabalhando as dificuldades para que vençam as etapas em seu desenvolvimento. Nesse sentido, o professor deve ser um facilitador, que ajuda e confronta seus alunos no processo de superação de conflitos. O docente precisa construir seu planejamento, sua atuação, avaliação e reorganização de seu trabalho, levando sempre em consideração os conhecimentos prévios dos alunos em relação afetiva e de confiança recíproca.
A prática pedagógica do professor compromissado com o processo implica vivências, parcerias e integração entre teoria e prática, conteúdo e realidade, ação e reflexão, acreditando nas capacidades do aluno de participar da construção de conhecimentos com o objetivo de atender as necessidades de cada um, considerando, em termos de organização de seu trabalho, a interação das crianças, os conhecimentos anteriores, de qualquer natureza, as individualidades, a heterogeneidade, o índice de desafios apresentados pelas atividades e as conquistas possíveis.
Levando em conta, o pensamento do aluno, seus conhecimentos prévios, o professor organizará situações de aprendizagem nas quais podem ser vivenciadas experiências novas, acomodadas às já existentes. Experiências essas que promoverão o crescimento e a equilibração necessárias para que aconteça a aprendizagem. Ele deve proporcionar situações de conflito que causem desequilíbrio nas estruturas cognitivas do aluno que precisa buscar sua reequilibração.
A atividade de construção de conhecimentos é mediada pela cultura, tendo por base os conhecimentos prévios dos alunos e os conteúdos escolares organizados e planejados pelo professor. A criança é um ser social que nasce com capacidades afetivas, emocionais e cognitivas, que interage e que aprende com o meio, ampliando as relações e formas de comunicação para manifestar-se livremente em sua expressão, trocas, percepções e compreensão da realidade.
A interação social é uma das estratégias fundamentais dos educadores para a construção da aprendizagem pelos alunos. Uma maneira de possibilitar essa troca é a socialização das descobertas nas situações organizadas pelo professor.
O primeiro passo para qualquer profissional da educação é ter coragem de se analisar com clareza e sem disfarces pedagógicos. É preciso se olhar e repensar a prática, verificar se os sonhos já foram realizados e se há prazer no trabalho que faz. Esses são pontos importantes para quem quer repensar sua identidade como educador, independente do nível com o qual trabalha. Os professores precisam ver seus alunos como sujeitos históricos, inseridos socialmente e produtores de cultura e como tais devem ser respeitados
O professor comprometido com uma alfabetização para a cidadania precisa construir seu planejamento, sua atuação, avaliação e reorganização de seu trabalho levando sempre em consideração tudo o que seu aluno já sabe ou já conhece, em relação afetiva e de confiança recíproca. O trabalho deve ser continuado e a avaliação participativa, em busca da transformação da escola através da modificação do ato educativo, do processo de reformulação do currículo e a procura da coerência pedagógica sob a visão da escola como espaço de construção de conhecimentos e vivências, aportes de múltiplas teorias.
A prática pedagógica do professor compromissado com o processo implica:

(...) na vivência do espírito de parceria, de integração entre teoria e prática, conteúdo e realidade, objetividade e subjetividade, ensino e avaliação, reflexão e ação, dentre muitos dos múltiplos fatores integrantes do processo pedagógico. (LUCK, 1994, p.54).


A escola pública atual tem tido pouco a oferecer e ensinar às camadas mais baixas da população nas exigências lingüísticas, quando se pensa em seu contexto. Na verdade, ela deveria cumprir papel importante na formação de sujeitos, abandonando a tendência de estigmatizar, padronizar e estereotipar as diferenças entre os alunos e a de ver na burocracia das estratégias curriculares e pedagógicas a solução para os problemas de aprendizagem.
O professor tem refletido a escola, cuja concepção da construção do conhecimento considera que basta copiar e decorar regras de gramática, por exemplo, para aprender a ler e escrever; e em matemática, basta decorar a tabuada. Também se costuma pensar que, para criar o hábito da leitura, o professor deve oferecer livros de fácil leitura, adequados à faixa etária e avaliar.
O professor leitor e mediador indica leituras não só pela idade e competência intelectual dos alunos, mas também por sua própria sensibilidade de leitor, pensando serem eles significativos para os educandos.

O professor mediador é o que lê ante, cercando o texto em suas possíveis leituras. Desse modo poderá realizar um trabalho que possibilite, no acontecer da leitura e a partir da verbalização das impressões, criar condições para que o aluno possa desenvolver sua sensibilidade para perceber e desvelar o mundo dos textos em sua diversidade e pluralidade (Yaduda apud MARTINS,1993,p.79).

O educador é responsável pela iniciação de seus alunos no universo da leitura e da escrita. Quanto mais ele entender desse processo de construção, maior prazer o trabalho lhe proporcionará. É papel dele estimular a leitura em situações reais, muitas vezes lendo para seus alunos, comentando, pedindo opiniões etc, respeitando o nível de desenvolvimento cognitivo do aluno, provocando conflitos, planejando e direcionando as atividades e enfatizando o trabalho coletivo organizado.
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O professor deve ter claro que diferentes significações precisam ser respeitadas, estimuladas e discutidas, o que não quer dizer deixar a cargo da espontaneidade dos alunos a responsabilidade pela aprendizagem.Possibilitar relações que os tornem conscientes do processo de construção da leitura e da escrita, por meio de uma intermediação para que a leitura não se limite à compreensão do professor, esperando que os alunos a reproduzam, é o tipo de ação que favorece a conscientização dos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem da leitura.
O educador letrador precisa investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno, adequando-as à sala de aula e aos conteúdos a serem trabalhados, planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita e como o aluno poderá utiliza-la, desenvolvendo através da leitura, interpretação e produção de diferentes gêneros de textos, habilidades de leitura e escrita que funcionem dentro da sociedade.Também incentivar o aluno a praticá-la socialmente, de forma criativa e autônoma, já que a linguagem é interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a utilizam. Deve, igualmente, respeitar os conhecimentos empíricos do aluno, sem julgar, desenvolvendo uma metodologia avaliativa, atentando para a pluralidade de habilidades e linguagens diferentes, levando em consideração as peculiaridades de cada indivíduo, assim como promover a auto-estima e a alegria de aprender.
Os professores devem promover práticas de oralidade e letramento de forma integrada, levando os alunos a identificarem as relações entre a oralidade e a escrita, criando situações em que os alunos tenham oportunidade de refletir sobre os textos que lêem, escrevem, falam ou ouvem, incluindo de forma contextualizada a gramática da língua, as características de cada gênero e tipo de texto. Para ser um professor desencadeador do processo de aprendizagem sistemática, é preciso uma ruptura com a imagem medíocre dos alunos como seres sem capacidade de aprender. Certamente a escola exerce papel de grande responsabilidade ao ensinar a língua materna para as crianças, pois são esses saberes que garantem o exercício da cidadania. Essa responsabilidade diz respeito ao grau de letramento do professor e dos lugares onde vivem seus alunos e a partir deste, participar da ampliação de seu nível de conhecimentos socialmente organizados e historicamente aceitos.

A partir da análise até aqui exposta, percebemos que o professor que avalia redações de vestibular, por vezes, questiona-se por que tantos vestibulandos obtêm zero ou tangenciamento por fuga do tema, número de linhas ou tipologia textual, já que a proposta da redação, lançada pela universidade, é bastante clara. Afinal, eles não compreendem o que lêem? Isso é preocupante!

Sabe-se que a escritura de um texto dissertativo não é tarefa fácil para o vestibulando, pois exige envolvimento pessoal, revelação de características do sujeito, requer opinião articulada e crítica que atenda ao tema proposto pela Universidade. (Marchezan, M. da S. In: A Redação no Contexto do Vestibular 2005)

Além disso, o processo de escritura de uma boa ou excelente redação de vestibular inicia-se com a compreensão da proposta lançada pela universidade, entretanto, diversos vestibulandos desobedecem-na. Entendendo o que é letramento, é possível afirmar que o candidato letrado e, é claro, conhecedor do que é solicitado em uma redação de vestibular da UFRGS, por exemplo, estaria apto a escrever um texto qualificado. Sendo assim, buscamos no analfabetismo funcional a justificativa para explicar o porquê de muitos alunos egressos do Ensino Médio demonstrarem incompetência ao redigirem redações nos concursos vestibulares.
Analisemos, a seguir, o que é analfabetismo funcional e alguns dados. Para tanto informamos que existe o INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional o qual, desde 2001, pesquisa e revela os índices de analfabetismo e alfabetismo funcional da população brasileira, residentes na zonas urbanas e rurais das diversas regiões do Brasil, quer estejam freqüentando escola quer não, tendo como objetivo fornecer informações qualificadas a respeito das habilidades e práticas de leitura, escritura e matemática dos brasileiros entre 15 e 64 anos de idade. Tais índices, coletados anualmente com amostras de 2000 pessoas as quais representam a população do país, provocam debates públicos e incentivam iniciativas sociais, auxiliando na elaboração de políticas públicas nas áreas educacionais e culturais. Além disso, o INAF contribui com o controle do desempenho nessas áreas. Com isso é possível à sociedade e a governos avaliarem a capacidade de os brasileiros acessarem e processarem informações escritas.
Segundo o INAF:

O indivíduo considerado analfabeto funcional é aquele que, mesmo sabendo ler e escrever, não possui as habilidades de leitura, escrita e cálculo necessárias para viabilizar seu desenvolvimento pessoal e profissional. (
http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.02.00.00&ver=por)

A definição de analfabetismo vem sendo revisada nas últimas décadas, e a UNESCO sugeriu a adoção de conceitos de analfabetismo e alfabetismo funcional, considerando alfabético funcional o indivíduo capaz de utilizar a leitura, a escrita e a matemática para fazer frente às demandas sociais, utilizando-as na continuação dos processos de aprendizagem e desenvolvimento no decorrer da vida .
Vejamos, na seqüência, quais são os quatro níveis da população brasileira em relação às habilidades de leitura e escrita (letramento) e em matemática (numeramento) e suas características, conforme o INAF:

· Analfabeto - não consegue realizar tarefas simples que envolvem decodificação de palavras e frases, ainda que uma parcela consiga ler números familiares (número de telefones, preços, etc.).
· Nível 1 - Alfabetismo nível rudimentar: corresponde à capacidade de localizar informações explícitas em textos muito curtos, cuja configuração auxilia o reconhecimento do conteúdo solicitado. Por exemplo, identificar o título de uma revista ou, em um anúncio, localizar a data em que se inicia uma campanha de vacinação ou a idade a partir da qual a vacina pode ser tomada, manusear dinheiro para pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando fita métrica.
· Nível 2 - Alfabetismo nível básico: corresponde à capacidade de localizar informações em textos curtos (por exemplo, em uma carta reclamando de um defeito em uma geladeira comprada, identificar o defeito apresentado; localizar informações em textos de extensão média), lêem números na casa dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma seqüência simples de operações e têm noção de proporcionalidade, mas demonstram limitações com operações que envolvam maior número de elementos, etapas ou relações.
· Nível 3 - Alfabetismo nível pleno: corresponde à capacidade de ler textos longos, orientando-se por subtítulos, localizando mais de uma informação, de acordo com condições estabelecidas, relacionando partes de um texto, comparando dois textos, realizando inferências e sínteses, também distinguem fato de opinião. Quanto à matemática, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas de dupla entrada mapas e gráficos.
Após essa divisão, fica aqui um questionamento para o leitor: em qual desses níveis podemos classificar, por exemplo, um vestibulando que recebe zero na sua redação de vestibular por escrever uma narrativa após ter lido na proposta que deveria escrever um texto dissertativo?
Percebe-se, nesse exemplo, a incapacidade de uma pessoa de processar informações escritas como ferramenta para enfrentar demandas cotidianas ou eventuais, como no caso citado, a prova de redação de um concurso vestibular.
Vamos agora fazer um passeio por alguns dados com a finalidade de melhor analisar a educação brasileira:

Ø A população do Brasil, entre 15 e 64 anos, em 2005 era de: 122.708.812;

Ø desse número, eram analfabetos: 10.711.266 (9%);

Ø a escolaridade dos brasileiros vem crescendo, sendo que dados do IBGE apontam que a parcela da população entre 15 e 64 anos com no máximo quatro anos de estudo caiu de 37,9% para 33,6% entre 2002 e 2005, enquanto que a proporção daqueles que completaram o ensino médio ou superior subiu de 35,5% para 40,8% no mesmo período.

Contudo, sabemos que esse aumento da escolaridade não representa resultados positivos no tocante a alfabetismo funcional, pois, embora o desempenho dos brasileiros, entre 15 e 64 anos, tenha avançado, ainda muito necessita melhorar para que não só haja diminuição das desigualdades, mas também para assegurar um desenvolvimento em um cenário mundial cada vez mais competitivo e globalizado. E os candidatos que concorrem nos concursos vestibulares da UFRGS bem sabem disso!

Vejamos mais alguns números, segundo o INAF, analisando brasileiros entre 15 e 64 anos:

ü Cerca de 30,6 milhões de brasileiros têm escolaridade entre 1ª e 4ª série, sendo que desses, cerca de 68% dos que estudaram até a 4ª série chegam no máximo ao nível de alfabetismo rudimentar;

ü Aproximadamente 13% da população brasileira nessa faixa de escolaridade são considerados analfabetos em termos de leitura e escrita, haja vista não conseguirem decodificar palavras ou frases mesmo em textos simples;

ü Mais de 1 milhão de brasileiros, 4% da população, são incapazes de realizar tarefas elementares com números, como anotar um número telefônico;

ü 31,1 milhões de brasileiros têm escolaridade entre 5ª e 8ª série, sendo que somente 24% desse total pode ser considerado alfabético em nível pleno no tocante à leitura e escrita;

ü A maior parte desse grupo, de 5ª a 8ª série, ou melhor, 51% enquadra-se no nível básico no item letramento;

ü 24% desses indivíduos está no nível de alfabetismo rudimentar, enfrentando sérias dificuldades em leitura e escrita.

Observemos agora algumas informações em nível de Ensino Médio e superior:

ü neste grupo estão 50 milhões de brasileiros;

ü ainda segundo o INAF, apenas neste grupo prevalecem os indivíduos que têm pleno domínio das habilidades de leitura e escrita, e eles são nada mais que 56% da população entre 15 e 64 anos;

ü separando os brasileiros por faixa etária, o INAF aponta que os jovens entre 15 e 24 anos, com escolaridade semelhante, têm melhor desempenho em leitura, enquanto os adultos, entre 40 e 64 anos, se saem melhor em testes matemáticos;

ü já a população feminina brasileira tem escolaridade superior à dos homens, demonstrando, nas avaliações escolares, melhor desempenho em leitura e escrita, enquanto que os indivíduos do sexo masculino destacam-se nas habilidades matemáticas. Isso demonstra que as mulheres dedicam-se mais à leitura, enquanto os homens, freqüentemente, dedicam-se a atividades ligadas a orçamento e consumo doméstico;

Em uma análise regional, observa-se, conforme dados do INAF/Brasil de 2001 a 2007:

ü a região Sul registra os melhores índices de alfabetismo do país, tanto em leitura e escrita, quanto em habilidades matemáticas, sendo que isso equivale a 71% da população funcionalmente alfabetizada, com 1/3 em nível pleno;

ü nas regiões Norte e Centro-oeste, 37% do contingente analisado é analfabeto funcional. Esse número sobe para 41% na região Nordeste e para 46% na região sudeste.


Tais dados, fornecidos pelo INAF, retratam o sistema educacional brasileiro, evidenciando o quanto é urgente a mobilização da sociedade por meio da comunidade, setores públicos, empresas, associações e entidades a fim de promover um maior desenvolvimento pessoal e profissional da população brasileira, pois – analisando esses dados estatísticos - constata-se que habilidades básicas não só de leitura e escrita, mas também de matemática encontram-se deficientes em meio a nossa sociedade.
Embora tenham ocorrido avanços com a queda de analfabetos funcionais do ano de 2005 para o ano de 2007, segundo o INAF, os índices apontados ainda evidenciam desigualdade e exclusão social, isso porque, atualmente, cerca de 32% da população brasileira é analfabeta funcional. Triste realidade!
Houve, nas últimas décadas, um crescimento da escolarização no país, há mais crianças e adolescentes, entre 7 e 14 anos, freqüentando a escola, provando que quanto maior o nível de escolaridade, maior é a possibilidade de o indivíduo alcançar bons níveis de alfabetismo. Vejamos mais índices fornecidos pelo INAF:

· Dos indivíduos de 1ª a 4ª série 97% são analfabetos funcionais;
· Dos indivíduos de 5ª a 8ª série 64% são analfabetos funcionais;
· Dos indivíduos com Ensino Médio 27% são analfabetos funcionais;
· Dos indivíduos com curso superior 8 % são analfabetos funcionais.

De acordo com Celso Antunes (2004): “Dominar plenamente a leitura escrita, lidando com seus símbolos e signos e assim beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida” é uma das competências esperadas nos estudantes. Antigamente, a escola e a família eram lugares para ouvir e calar, porém – felizmente – hoje essas instituições são lugares onde se pode aprender a ler e a falar, sendo que alunos que sabem se expressar bem em História, por exemplo, certamente saberão se expressar bem em qualquer outra matéria. Nas aulas de Redação, alguns alunos questionam sobre critérios de avaliação de redação de vestibular de diversas universidades, cabe, nesse caso, ao professor deixar claro a eles que o candidato que sabe interpretar a proposta da redação e que consegue ser autor do próprio texto, utilizando-se adequadamente da língua materna, escreverá uma boa redação em qualquer universidade, ou seja, quem é competente não deve temer a virtualidade da redação de vestibular.
A sociedade deve ter conhecimento de que saber ler e escrever não é o suficiente. É necessário dominar e saber usar a leitura e a escritura, respondendo às exigências dessa mesma sociedade, sendo que fatores, como pobreza e desemprego, trabalho infantil, má qualidade de sistemas educacionais e escolas, favorecem o analfabetismo, entretanto, o indivíduo letrado é o detentor do poder para reverter tal situação. E as escolas possuem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), criados pelo governo federal no século passado, com reformulações em 2002, a fim de abranger o Ensino Médio. Lá, nos PCN + EM, estão bem definidas as competências e habilidades a serem desenvolvidas com os alunos nas escolas. Sendo assim, o que dizer de um vestibulando que não consegue entender a proposta de uma redação de vestibular? Quem é o culpado pelo zero obtido por fuga do tema em uma redação de vestibular? Os pais que não incentivaram a leitura desse candidato ainda quando criança? Os professores que descumpriram seus papéis, deixando os PCN + EM adormecidos em algum armário? O aluno que não desenvolveu a competência de ler?
Ler! Ler! Ler! Afinal como se aprende a ler?

Algumas pessoas criam gosto pela leitura pelo exemplo dos familiares, outras, por influência de professores ou por circunstâncias fortuitas de suas histórias de vida. No entanto, a formação de leitores em grande escala, via escola, só ocorrerá se houver uma política de leitura, traduzida na adequada formação de professores-leitores, na oferta abundante de bons e variados materiais escritos, e na instalação de bibliotecas e salas de leitura bem equipadas, dinamizadas por bibliotecários.
Não se ensina a gostar de ler por decreto, ou por imposição, nem se forma letrados por meio de exercícios de leitura e gramática rigidamente controlados. Para formar indivíduos letrados, a escola tem que desenvolver um trabalho gradual e contínuo. (CARVALHO, 2005, p. 67)

E os professores? Questionamos aqui se os professores lêem e o que lêem. E o que falar dos professores que ensinam a escrever narrativas ou redação de vestibular? Eles escrevem? O que escrevem? Como escrevem? Os professores de Ensino Médio, que trabalham redação de vestibular em sala de aula, escrevem redação? Tais profissionais estariam – todos – classificados no nível pleno de alfabetismo? Qual seria a nota de uma redação de vestibular da UFRGS escrita por um desses professores?
Os índices apontados neste artigo dispensa respostas a todas essas perguntas, obviamente, salvas exceções! Ainda assim, transcrevemos esta citação para comprovar o que afirmamos e questionamos acima:

Dizem que o exemplo não é a melhor forma de educar, mas a única. Que dizer então do exemplo de nossos professores quanto à leitura e à produção de textos? Os alunos percebem se o professor gosta de ler e escrever, se é leitor que analisa estilos, que vive e convive com os livros, que fala com convicção e segurança, que sente prazer na leitura, deixando transparecer que possui amplo repertório de leituras e as compartilha com seus educandos. Eles vêem que os livros fazem bem àquele profissional. É exemplo, modelo e estímulo. Mais do que suas relações com eles, o que deixa marcas indeléveis nos alunos é o comportamento dele como pessoa, as manifestações de sua sensibilidade, seus pontos de vista, sua visão de mundo e, especialmente, suas ações direcionadas para a busca do conhecimento e da auto-aprendizagem. É preciso que o professor transmita e faça ver a importância dos livros na forma de ele ser e se posicionar no mundo. (BISOGNIN, 2003, p.167).

Mas o assunto ler não se esgota, pois sabemos que todos fazemos leituras diversas: lemos sinais de trânsito, esculturas, quadros, fotografias, textos, olhares, sorrisos... Lemos o mundo a vida toda e vivemos submersos na subjetividade de nossas leituras. Voltando a abordagem deste artigo para os vestibulandos, informamos que na planilha de avaliação das redações de vestibular da UFRGS, na modalidade Analítica, em Estrutura e Conteúdo há os itens Autoria e Criticidade, cujas notas variam de zero a três, conforme o Manual do Avaliador, 2008, p. 20:

Autonomia: Trata aqui de verificar se o encaminhamento que o autor deu ao texto evidencia singularidade e esforço pela autoria, isto é, se há habilidade e competência na articulação dos planos textual/contextual que servem como referência na sua escritura.
Está no nível excelente a redação em que o candidato revela ponto de vista criativo e original, apresentando idéias incomuns e/ou incomumente relacionadas. Receberão nota 3(três), neste item, apenas as redações que evidenciarem marca de autoria e versatilidade no tratamento do tema proposto.

Criticidade: Trata-se aqui de verificar se o autor faz uma apreciação qualificada dos diferentes ângulos que a proposta temática suscitar, ou seja, se ele analisa de forma significativa as dimensões contextuais ao tema , relacionando-o apropriadamente.
Está no nível excelente o texto em que o autor desenvolve a redação de forma abrangente e crítica, considerando dimensões variadas do tema. A criticidade é percebida através do domínio de informações a respeito do tema, no que se refere tanto aos dados disponíveis quanto ao posicionamento recorrentes, associados com o mundo e/ou com outros textos. Receberão nota 3(três), neste item, as redações em que o candidato privilegiar as perspectivas qualificadas e abrangentes do tema, aferindo-as com propriedade.

Os candidatos ao concurso vestibular que demonstram competência nesses dois itens são os que dominam as diversas leituras, escrevendo um texto singular, incomum, com idéias e subjetividades próprias que fogem do senso comum, passando ao leitor uma visão mais abrangente a respeito do tema, com abordagens significativas e com uso adequado da linguagem. Vale repetir que somente os alunos letrados conseguem compreender a proposta da redação de vestibular, sendo capazes – a partir disso - de produzir textos que concorrem à totalidade da nota, conforme os critérios de avaliação de cada universidade.
A idéia que a maioria dos alunos de ensino médio têm de que a redação de vestibular deve ser associada somente à Língua Portuguesa, portanto, é equivocada, porque – para entender uma proposta de redação e escrever um bom texto - é preciso inserir nele conhecimentos de disciplinas diversas sempre que possível ou sempre que a proposta assim exigir. Isso porque não raras são as vezes em que as propostas de redação trazem gráficos, textos históricos, música, poesia etc., cabendo aos candidatos desvendarem tais informações a fim de partirem para uma escritura coerente, inteligível e carregada de significação. Sabemos ainda que o conhecimento não é algo isolado, mas que faz parte do indivíduo como ser inserido na sociedade e afetado pela história, com seus pontos de vista.

O sentido é assim uma relação determinada do sujeito – afetado pela língua – com a história. É o gesto de interpretação que analisa essa relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia. (ORLANDI, 2003, p. 47).

Leitura, então, envolve não só conhecimentos contidos em nós mesmos, mas também envolve as entrelinhas, ou seja, aquilo que nossos olhos não alcançam. Tenhamos nós um olhar de coruja, pois a sociedade – rápida, dinâmica, repleta de informações, informatizada, complexa, apelativa etc. - exige isso de nós!

A caminho de Bom Jesus do Norte, a Dora, de Central do Brasil, usa uma metáfora sobre os meios de transporte e as relações amorosas para responder a Josué que, cansado, diz preferir viajar de táxi: "Melhor o ônibus. O ônibus tem um caminho certo. O táxi, não. Toma um rumo qualquer e depois se perde", fala em alusão aos que trocam de amores. No caso dos caminhos da leitura no Brasil, a melhor solução parece ser percorrer os caminhos do táxi. Porém, ofertando os lugares dos ônibus. (Revista Educação Online- SP Notícias.p.. Online.2007. In:
http://www.ipm.org.br/).


Considerações finais: Sabemos que o conhecimento e o domínio da língua materna faz parte da totalidade da nossa formação pessoal e que estabelece relação entre a razão das relações sociais e diferentes categorias e escalas, do local ao global, e vice-versa, isto é, para o aluno compreender seu lugar no mundo de forma crítica e agir no sentido da transformação social ele precisa aprender a pensar e a transitar em diferentes escalas, fugindo dos riscos impostos pelo analfabetismo funcional. E isso se faz com diversas e competentes leituras! Enquanto a alfabetização preocupa-se com a aquisição da escrita pelos alunos, o letramento evidencia aspectos sociais e históricos, pois permite que os cidadãos insiram-se na comunidade e no mundo, não só pedagógico, mas político também.

Em uma sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona, é urgente que a palavra, a leitura, estejam no horizonte do nosso olhar e de nossa ação como dimensões de luta política, de abertura de janelas, para o necessário entrelaçamento entre o texto e o contexto, enquanto um movimento dialético de problematização-negação-superação, onde o texto que é o fator gerador de uma inquieta busca de uma nova aventura epistemológica, de um descortinar, possa ser reinventado e ao ser reinventado pelo confronto de briga humilde e amorosa, baseada no contexto do leitor, que assume a condição de sujeito ativo e crítico, ambos, texto e contexto deverão estar a serviço de um novo desenho de contexto. ( SITÓ, Palestra proferida no 1º Congresso Nacional de Leitura, Literatura e Cultura (Escola Cidadã) – ONG – Alegrete – RS.2003).

Certamente somos, todos, capazes de desenhar esse contexto, retirando vendas de olhos acostumados com os limites estabelecidos pelo analfabetismo funcional, e de enxergar o novo, o mais adequado, o possível, tendo em vista a inserção social de um povo que vive no limbo da sociedade.























NOTA 1:
Emília Ferreiro, psicolingüísta argentina, inovou ao utilizar a teoria de Jean Piaget para investigar que as crianças chegam às escolas com conhecimentos prévios sobre a língua e é necessário avaliá-las para determinar estratégias para sua alfabetização. Ao professor cabe a tarefa de organizar atividades que favoreçam a construção de sua alfabetização.

Junto com Ana Teberoski fez investigações que constataram que as crianças vão reformulando suas hipóteses sobre o sistema de escrita.
A psicogênese sobre a língua escrita chegou ao Brasil por volta dos anos 80 e revolucionou as séries iniciais, provocando assim uma revisão do tratamento dado ao processo de ensino e aprendizagem e da prática alfabetizadora.
Emília Ferreiro distinguiu níveis da psicogênese da escrita e da leitura que caracteriza-se por um processo seqüencial de concepções que abrange três grandes fases: a distinção entre o modo de representação icônica e não-icônica; construção de maneiras diferentes da escrita e fonetização da escrita.

Nível Pré-Silábico I: a criança não faz vinculação entre a pronúncia das palavras e sua escrita.
Nível Pré-Silábico II: caracteriza-se pelo uso de letras pseudoletras e numerais.
Nível Silábico: é uma fase propícia à leitura, onde a criança está buscando soluções para o conflito em que se depara.
Silábico I: escreve qualquer letra para qualquer sílaba, sem fonetização nem relação grafia e som.
Silábico II: a criança usa as letras com valor sonoro real. É onde acontece o conflito cognitivo: a quantidade mínima de letras e a hipótese silábica.
Nível Silábico-Alfabético: é um nível intermediário e conflitante, pois a criança precisa negar a lógica do nível silábico.
Nível Alfabético: a criança fala como escreve, já conhece o valor sonoro convencional de todas ou grande parte das letras e junta-as para formar sílabas e palavras. Faz distinção entre letra, sílabas e palavras e escreve foneticamente (fazendo relação entre som e letra).

Nível Ortográfico: a criança escreve de acordo com o sistema ortográfico.
A fim de detectar em que nível a criança está em termos de concepção da leitura e da escrita, Emília Ferreiro e Ana Teberosky propuseram a prova das quatro palavras e uma frase que é aplicada individualmente e caracteriza-se na escrita de quatro palavras do mesmo campo semântico diferentes das usadas em aula.
Deve haver uma palavra monossílaba, uma dissílaba, uma trissílaba e uma polissílaba e uma frase curta com a palavra dissílaba para verificação do padrão usado pela criança anteriormente.
A ordem estabelecida é: 1º a palavra trissílaba, 2º a palavra dissílaba, 3º a palavra polissílaba e 4º a palavra monossílaba.










REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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BISOGNIN, Tadeu Rossato. Escreve bem uma redação quem lê bem qualquer coisa. In: COPERSE. A redação no contexto do vestibular 2006. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.
CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e letrar - Um diálogo entre a teoria e a prática. Petrópolis: Vozes, 2005.
DEHEINZELIN, Monique. A Fome E A Vontade De Comer- Uma Proposta Curricular De Educação Infantil. Petrópolis, Vozes, 1999.
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